Metformina e Câncer de Próstata de Baixo Risco: Um Grande Estudo Clínico Revela Resultados Inesperados
- A) Introdução: A Busca por Novas Estratégias no Câncer de Próstata
O manejo do câncer de próstata (CPa) de baixo risco evoluiu significativamente, com a vigilância ativa (VA) se consolidando como a abordagem preferencial para muitos pacientes. Essa estratégia visa monitorar a doença de perto, evitando ou adiando tratamentos agressivos -- como cirurgia e radioterapia -- e suas conhecidas morbidades. No entanto, a vigilância ativa não é isenta de desafios. Uma parcela considerável de homens, entre 24% e 40%, eventualmente se submetem a tratamento radical devido à progressão da doença. Diante desse cenário, a busca por uma estratégia de prevenção secundária -- uma intervenção capaz de retardar ou impedir essa progressão -- tornou-se um objetivo clínico crucial.
Nesse contexto, a metformina emergiu como uma candidata promissora. Sendo um dos medicamentos mais prescritos no mundo para o tratamento do diabetes tipo 2, dados pré-clínicos e estudos observacionais sugeriam que ela poderia ter propriedades antitumorais, possivelmente ao influenciar vias metabólicas e de sinalização celular implicadas no crescimento do câncer. Essa hipótese gerou grande interesse na comunidade médica, levantando a possibilidade de reaproveitar um medicamento seguro e acessível para uma nova indicação oncológica.
Este artigo tem como propósito apresentar e analisar os resultados definitivos do ensaio clínico de fase III, multicêntrico e randomizado, conhecido como MAST (Metformin Active Surveillance Trial). Este estudo foi desenhado para investigar rigorosamente se a metformina poderia, de fato, atrasar a progressão do câncer de próstata de baixo risco em homens sob vigilância ativa. Os achados, como veremos, fornecem uma resposta clara e, em alguns aspectos, surpreendente a essa importante questão clínica.
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- B) Principais Dados e Resultados do Estudo MAST
Os resultados de um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, como o MAST, representam o mais alto nível de evidência científica. Eles são essenciais para confirmar ou refutar hipóteses geradas por estudos preliminares, fornecendo dados robustos para orientar a prática clínica. O estudo envolveu 408 homens com CPa de baixo risco, que foram aleatoriamente designados para receber metformina ou um placebo por um período mediano de 36 meses.
O Resultado Principal: Metformina Não Atrasou a Progressão da Doença
O achado central do estudo foi inequívoco: o tratamento com metformina (na dose de 850 mg, duas vezes ao dia) não demonstrou diferença estatisticamente significativa no tempo para a progressão da doença em comparação com o placebo. Após um acompanhamento mediano de 36 meses, a sobrevida livre de progressão foi semelhante nos dois grupos.
O dado estatístico que sustenta essa conclusão é a razão de risco (Hazard Ratio - HR), que foi de 1.09. Um HR próximo de 1.0 indica que não há diferença no risco entre o grupo de tratamento e o grupo placebo, confirmando a ausência de benefício da metformina neste cenário.
Achado Inesperado: Um Potencial Risco Aumentado em Pacientes Obesos
Talvez a descoberta mais surpreendente e clinicamente relevante do estudo MAST tenha vindo de uma análise de subgrupo pré-especificada, que investigou o efeito do medicamento com base no Índice de Massa Corporal (IMC) dos participantes. Os resultados dessa análise apontaram para uma interação complexa e inesperada entre a metformina, a obesidade e a biologia do câncer de próstata.
No grupo de pacientes obesos (definidos no estudo com IMC >= 30), o uso de metformina foi associado a um aumento estatisticamente significativo no risco de progressão patológica da doença. Os investigadores focaram neste desfecho específico porque, segundo eles, a progressão patológica "reflete com precisão a verdadeira progressão biológica". Os números são contundentes:
- A razão de risco (HR) para este grupo foi de 2.36 (IC 95%, 1.21 a 4.59; P = .0092), indicando que o risco de progressão mais do que dobrou para homens obesos que tomaram metformina em comparação com aqueles que tomaram placebo.
- Em contraste, para os pacientes não obesos (IMC < 30), não houve diferença significativa no risco de progressão entre os grupos (HR de 0.82), alinhando-se com o resultado geral do estudo.
Esses dados não apenas anulam a esperança de um benefício, mas levantam uma bandeira de cautela sobre um potencial efeito adverso em uma população específica de pacientes, desafiando as expectativas baseadas em dados pré-clínicos.
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- C) Conclusão: Implicações Clínicas e o Caminho a Seguir
Os resultados do ensaio clínico MAST traduzem-se em conclusões práticas e diretas para pacientes, médicos e para a pesquisa futura sobre o câncer de próstata. Eles oferecem uma resposta definitiva a uma questão importante, ao mesmo tempo que abrem novas frentes de investigação.
As principais implicações podem ser resumidas nos seguintes pontos:
- Ausência de Benefício: Com base nas evidências robustas do estudo MAST, a metformina não deve ser recomendada ou utilizada como estratégia para retardar a progressão do câncer de próstata de baixo risco em homens sob vigilância ativa. A hipótese, embora promissora, não foi confirmada neste ensaio clínico de alta qualidade.
- Um Sinal de Cautela: O achado adverso em homens obesos, embora derivado de uma análise de subgrupo, é um sinal de alerta importante. Ele não apenas desaconselha fortemente o uso de metformina neste contexto específico, mas também exige investigações futuras para compreender os mecanismos biológicos por trás desse resultado paradoxal. A interação entre metabolismo, obesidade e tratamentos contra o câncer é claramente mais complexa do que se supunha.
- A Importância dos Ensaios Clínicos Randomizados: O estudo MAST exemplifica perfeitamentepor quedados observacionais e pré-clínicos, por mais promissores que sejam, devem ser confirmados por meio de ensaios clínicos rigorosos e randomizados antes de qualquer mudança na prática clínica. De fato, o resultado do MAST se alinha a um padrão mais amplo e sóbrio na oncologia, no qual a metformina falhou repetidamente em cumprir sua promessa pré-clínica quando testada em ensaios rigorosos de fase III para outros tipos de câncer, como de ovário, pulmão e mama.
Em suma, o estudo MAST fornece uma resposta clara e definitiva sobre o papel da metformina na vigilância ativa do CPa, orientando a prática clínica para longe desta intervenção e, crucialmente, destacando a complexa e, por vezes, contraintuitiva interação entre metabolismo e câncer.
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- D) Referência Bibliográfica
Fleshner NE, Bernardino RM, Izawa J, et al. Metformin Active Surveillance Trial in Low-Risk Prostate Cancer. J Clin Oncol 43:3662-3671, 2025. DOI: https://doi.org/10.1200/JCO-25-01070